domingo, 14 de março de 2010

Dinâmica de grupo sob luz estroboscópica

As mulheres montadas para parecerem notas e inalcançáveis. Bebem prosecco com canudo, embriagam-se com o objetivo de se sentir à vontade para beijar um desconhecido. Na cabeça, internacionalismo capilar: escovas marroquinas, havaianas e japonesas. Sobre o corpo esguio usam saias e vestidos acinturados, numa versão contemporânea e axé do corselet francês do século XIX.
Os homens, previamente bêbados de uísque com Redbull no posto de gasolina onde se preparam para a caçã, querem todas e nenhuma. Vestido camisas polo dois tamanhos abaixo, grunhem palavras de ordem e frases de incentivo enquanto trocam porradinhas nos ombros com doçura.
Na vertigem do sábado à noite, data limite para ser feliz até o modorrento domingo, eles se reúnem em desespero nem tão discreto. Organizam encontros de gente solitária em casa lotadas. A vibe é de dinâmica de grupo para entrevista de emprego sob luz estroboscópica.
Diverti-se não faz parte dos planos de ninguém - ainda que muitas jurem com os pés juntinhos que saíram "só pra dançar".
Um raio laser na selva do olhar, e dá-se início a uma série de rituais ancestrais: o convite para um drinque, o papinho vazio no pé do ouvido (um finge que escuta, outro finge que diz), a mão do homem que sobe pelas costas da mulher, que serpenteia e se afasta com charminho, a conquista do território da nuca, o descartável sentimento de vitória e o afobado primeiro beijo, logo esquecido ou trocado por outros naquela mesma pista de dança sem dança.
No meio de fumaça de tiroteio na estação de trens parados, a jovem mulher se deseja através dos olhares que recebe. Trata-se de uma relação simbiótica ( um misógino diria parasitária) com o ecossistema da boate ou da Praia do Arpoador no sábado a noite. É para isso que sai de casa, mais do que para encontrar um objeto externo de desejo: para ser desejada.
Os homens de polo, em toda a sua precariedade unicelular, acabam funcionando como peões cujas costas ou olhares ou cantadas servem de escada rolante para o ego das mocinhas. Se tiverem sorte de beijar a desejada numa dessas noitadas, jamais saberão que, por trás de tudo, é ela que está se beijando - atráves dele.

***
Até que chegue o sábado em que os desabitados seres humanos das boates encontrem salões menos subterrâneos e mais iluminados onde, finalmente, possam se enxergar melhor.


Música do dia: Você me faz tão bem - Detonautas Roque Club

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